Funcionários e chefes de uma empresa de segurança tornaram-se um fenómeno viral com coreografias e vídeos humorísticos feitos num insípido escritório de Tóquio. Tudo para tentarem atrair novos funcionários. E estão conseguindo!
Do ponto de vista estatístico, o Japão é um país com pleno emprego – em agosto, a taxa de desemprego ficou nos 2,6%, e é comum ouvir os empregadores queixarem-se da falta de mão de obra no país, em praticamente todos os setores, dos empregos mais qualificados aos menos exigentes. O envelhecimento da população acentua as dificuldades. Com as fronteiras ainda muito controladas, por causa da Covid-19, e uma tradicional resistência à entrada de trabalhadores imigrantes, por razões culturais, a falta de trabalhadores é uma das mais sérias ameaças ao crescimento do país, cuja economia está estagnada, ou pouco cresce, desde os anos 90.
Uma das empresas que se queixam da dificuldade em recrutar funcionários é a Daikyo Security Service, uma empresa de segurança especializada em segurança de estaleiros de obras, seja na via pública ou na construção de prédios. A companhia, fundada em 1967, tem 85 empregados, que na sua maioria desempenham funções pouco qualificadas: sinalização do local de obra, desviar o tráfego automóvel ou o trânsito pedonal do local da obra, certificar-se de que os camiões se deslocam em segurança e que o equipamento está seguro e não provoca acidentes ou ferimentos. É, em regra, um trabalho aborrecido e pouco estimulante: implica ficar muitas horas ao ar livre, a agitar um bastão, ou a segurar uma placa, para que ninguém vá contra uma barreira de segurança ou tropece num equipamento, e para que um camião a entrar ou a sair do estaleiro não atropele um transeunte.
É o tipo de trabalho que no Japão é referido como os “três K”: “kitsui, kitanai, kiken”. Ou seja, “duro, sujo e perigoso”.
Numa cidade como Tóquio, há constantemente obras por todo o lado, e em cada obra, por pequena que seja, concentram-se diversos trabalhadores de segurança, por vezes quase fazendo um cordão humano para que nada de mal aconteça. Por muito que aos olhos de um ocidental possa parecer um exagero, o Japão leva muito a sério as questões de segurança, nomeadamente em estaleiros de obras.
A procura por estes trabalhadores é enorme, e a oferta é pouca. São muitas as empresas de segurança a competir por empregados. Foi perante este quadro que o CEO da Daikyo Security constatou que ou conseguia atrair mais trabalhadores, e mais novos, ou a empresa podia estar condenada.
“Para começar, nunca tinha visto ninguém que conhecesse alguém ou tivesse amigos que quisessem tornar-se guarda de segurança”, reconhece Daisuke Sakurai, CEO da empresa, sobre as dificuldades de contratar funcionários. “Depois pensei: porque não criar uma situação em que a própria empresa se torne uma opção: ‘a empresa é boa, e o trabalho é de segurança’.
Foi então que Sakurai decidiu abrir contas da Daikyo Security nas redes sociais, para tentar tornar a sua empresa atraente, e chegar a públicos diferentes e mais jovens. Começou pelo Twitter e Facebook, mas foi quando começou a partilhar vídeos no TikTok, em 2020, que foi surpreendido por uma explosão de seguidores. Logo nesse ano, a empresa ultrapassou um milhão de seguidores na rede chinesa de partilha de vídeos. Atualmente a empresa tem 2,7 milhões de seguidores no Tiktok e é uma das contas mais virais do Japão. A popularidade da empresa também acabou por se estender a outras plataformas: no Youtube, a Daikyo Security já chegou aos 800 mil seguidores, e tem como próximo objetivo passar a marca de um milhão. A meta foi assumida com posts nas diversas redes sociais onde os principais protagonistas dos vídeos virais surgem como personagens de maga, o estilo japonês de banda desenhada.
Uma espécie de The Office do TikTok
E que vídeos são esses que fazem as delícias dos utilizadores do TikTok no Japão? Os dois protagonistas principais são o CEO da empresa, Daisuke Sakurai, e o diretor-geral, Tomohiko Kojima. Mas vários outros funcionários aparecem, muitas vezes a fazer coreografias mais ou menos ridículas e divertidas, nem que seja pela evidente falta de jeito dos “artistas” para a dança.
O cenário é sempre o mesmo: os insípidos escritórios da empresa, num edifício de escritórios numa rua secundária de Shinjuku, no centro de Tóquio. Um local pouco provável para o surgimento de estrelas de TikTok, tal como seria improvável o sucesso alcançado por um conjunto de homens banais, com barriga, roupa aborrecida de trabalhadores de escritório e sem particulares talentos para o showbiz.
Há inúmeros vídeos do diretor-geral a pregar partidas ao CEO, nomeadamente a atirar-lhe à cara folhas de gel com o desenho dos olhos de personagens famosas de manga e anime (desenhos animados japoneses) – transformando o chefe nessas personagens, de séries como Demon Slayer, Dragon Ball, Pokémon ou Spy Family. Os vídeos com partidas ao CEO são dos mais comuns, mas também há outros a reproduzir vídeos virais do TikTok, como aquele em que o diretor-geral, um respeitável cavalheiro sexagenário, tenta segurar no peito um copo de bebida, como uma influencer famosa havia feito, pousando a bebida nos seios.
Os vídeos têm uma mensagem clara: estes trabalhadores de escritório não se levam demasiado a sério. Um risco, no Japão, país onde o trabalho é encarado com a maior seriedade possível, e onde a hierarquia é respeitada até ao limite. Apesar disso, não só há gente a divertir-se nestes vídeos, como há funcionários de estatuto mais baixo a pregar partidas aos chefes.
“Pensei que se o CEO se destacasse no TikTok, isso poderia ser visto como uma brincadeira, e algumas pessoas poderiam sentir-se ofendidas”, confessou Sakurai numa entrevista. “Mas, surpreendentemente, houve pessoas que disseram que queriam que o presidente aparecesse cada vez mais. No entanto, há uma saturação de conteúdos com presidentes a dizer coisas sérias, pois um presidente não pode brincar. Assim, apostámos em criar histórias onde os subordinados fazem algo aos seus chefes”. O público adorou.
Também há vídeos com os trabalhadores a comer comidas simples no seu local de trabalho, ou outro em que alguém leva um fogão portátil para o escritório e prepara um vistoso prato de ovos.
A Associated Press, que fez uma notícia sobre este fenómeno, diz que “os vídeos mostram a toda a gente a vida feliz mas simples de homens e mulheres trabalhadores comuns. E estas pessoas não parecem levar a si próprias muito a sério”, com vídeos que “podem fazer rir as pessoas”.
Em agosto, o próprio TikTok reconheceu a empresa, distinguindo-a como “criadores de tendências” no site de partilha online de vídeos.
Os novos consultores do TikTok
Mais importante, para Sakurai, é que o objetivo de atrair mais potenciais trabalhadores está a ser alcançado. Antes do TikTok, o líder da empresa diz que o número de pessoas à procura de emprego na Daikyo Security era zero. Agora, a empresa recebe muitos pedidos de emprego, incluindo pessoas que querem trabalhar nos vídeos.
Igualmente importante, a idade média dos pretendentes a trabalhar na empresa baixou. “Ainda estamos no processo, mas até agora 70% a 80% dos candidatos estavam nos seus 50 e 60 anos, mas isto inverteu-se e 70% a 80% estão agora nos seus 20 e 30 anos, por isso penso que isso é um feito significativo”, revelou o responsável da empresa.
Sakurai diz-se seriamente empenhado em reforçar a imagem da Daikyo Security, em conseguir que novas pessoas trabalhem na empresa e também em atrair trabalhadores no mercado global, nomeadamente do Vietname e da Indonésia. Uma série de vídeos com bandeiras de países tornou-se um sucesso, com muitos comentários de utilizadores não japoneses.
A empresa lança atualmente cerca de cinco vídeos por semana, sempre feitos com a prata da casa: o CEO tem as ideias e protagoniza muitos vídeos, o diretor-geral costuma ser o co-protagonista, o diretor de Relações Públicas tornou-se operador de câmara e realizador dos vídeos, e quase todos os funcionários fazem questão de participar. Para não interferir muito com o trabalho normal, numa manhã ou numa tarde são filmados vídeos para uma ou duas semanas, que depois são editados e vão sendo lançados.
Até a motivação dos trabalhadores aumentou, a comunicação entre departamentos se tornou mais fluída, e o espírito de empresa beneficiou deste processo, garantem os envolvidos.
No meio deste inesperado sucesso, a empresa posicionou-se como caso de estudo de boa projeção de marca e comunicação eficaz, o que está a abrir novas perspetivas de negócio. “Como resultado da nossa comprovada melhoria da marca, estamos também envolvidos em novos projectos fora do âmbito da segurança. Por exemplo, além de projetos de relações públicas para grandes fabricantes de bens de primeira necessidade e restaurantes, também estamos atualmente envolvidos em trabalhos de consultoria para a TikTok, e no futuro estamos a considerar uma escola para criadores e uma rede multicanal para influenciadores empresariais.
E tudo começou com homens de meia idade barrigudos a fazer danças cómicas e um CEO transformado em personagem de banda desenhada.
Fonte: CNN Portugal